Newsletter > As Fibras do Futuro

Nuno Belino, Docente no Departamento de Ciência e Tecnologia Têxteis da Universidade da Beira Interior (UBI)

Artigo de Opinião

UBI

Num passado já distante (anos 90) tive a oportunidade de laborar na maior empresa de lanifícios Nacional e uma das maiores da europa. Tendo sido responsável pela tecelagem, tive o ensejo de visitar algumas feiras de tecidos e de percepcionar que, já naquela altura, o custo/m de alguns dos nossos tecidos era muito superior ao proposto por alguns dos nossos concorrentes. Efectivamente, nalguns casos, o custo que imputávamos à matéria-prima era idêntico ao preço de venda dos nossos concorrentes.

Apesar da ressalva histórica o preâmbulo anterior permite enquadrar uma situação que ainda hoje se verifica para a esmagadora maioria das empresas pertencentes à ITV nacional. Os seus custos de produção são superiores aos dos seus principais concorrentes, nomeadamente, países como a China, Paquistão, índia, Vietnam, Bangladesh, Marrocos, Roménia, Ucrânia, Turquia, entre muitos outros.

Contudo, as estatísticas mais recentes, mostram uma ITV pujante e com grande preponderância nas exportações Nacionais.

Assim, se procurarmos uma explicação para esta aparente contradição, verifica-se que existem um conjunto de factores que estão a alavancar a competitividade das nossas empresas, nomeadamente: proximidade aos nossos principais mercados, fabricação de pequenas séries (especialmente com padronagem), máxima flexibilidade produtiva para pequenos tempos de resposta, qualidade dos produtos fabricados, design, “know-how” e empenhamento e muito esforço de todos os colaboradores envolvidos.

Adicionalmente, constata-se ainda que a grande maioria das empresas iniciou, desde há já alguns anos atrás, uma evolução para os chamados têxteis técnicos e que, paulatinamente, os empresários vêm diferenciando os seus produtos e as suas colecções, através da incorporação de fibras inovadoras que proporcionam um desempenho e/ou propriedades, que com as chamadas fibras convencionais, de per si, não poderiam obter de todo ou, pelo menos, de uma forma tão eficaz e económica. Deste modo, o leque de aplicações finais é alargado e, concomitantemente, abre-se caminho para novos mercados de maior valor acrescentado.

Historicamente, esta transformação teve início com a introdução das fibras não-naturais e artificiais nos anos 30 e 40 do século passado, especialmente, o poliéster, a poliamida e a viscose, que iniciaram uma (r)evolução tecnológica no têxtil. Inicialmente, estas fibras foram introduzidas numa lógica de baixo preço e de melhoria de durabilidade sendo comercializadas com valores tenacidade de, aproximadamente, 5g/dn e para algumas aplicações mais industriais como carpetes, reforços de pneus e mangueiras cerca de 10 g/dn. Posteriormente, nos anos 70 aparece uma segunda geração de fibras – fibras de alto desempenho – que possuem um elevado módulo e uma elevada tenacidade: 20-40 gf/dn vocacionadas para a fabricação de compósitos, aplicações aeroespaciais, marítimas, construção civil, transportes, balística, equipamento desportivo e de protecção pessoal, aplicações médicas, placas de circuitos impressos, etc.

Com a contínua evolução dos processos de extrusão e da indústria química apareceram no mercado todo um conjunto de novas fibras, comumente designadas por superfibras: aramidas (poliamidas aromáticas), fibra de vidro, fibras metálica, fibra de boro, fibra de flúor, Poliacetal, polietileno, Polifenilinosulfido (PPS), Poliéterétercetona (PEEK), PBO, etc. que visam proporcionar uma maior estabilidade química, maior resistência térmica, superiores propriedades mecânicas, elevado isolamento eléctrico,, etc.

Actualmente, existe no mercado uma enorme plêiade de fibras com funções específicas, fibras de alta tecnologia, cujas propriedades intrínsecas, dadas pela sua composição química e/ou estrutura molecular ou ainda pela inclusão de aditivos no processo de extrusão, permitem obter filamentos/fibras que apresentam propriedades superiores aos convencionais. Tipicamente, podem ser classificadas em três grandes grupos: Fibras de alta prestação e que possuem propriedades físicas ou químicas muito superiores às das fibras convencionais, nomeadamente, ao nível das propriedades mecânicas e térmicas etc.; Fibras de funções especiais que podem ter várias finalidades sendo, consequentemente, subdivididas em diversos grupos: bioactivas, termoreguladoras, electrocondutoras, conforto termofisiológico maximizado, etc. e, finalmente, fibras de alta estética que oferecem sensações agradáveis aos sentidos e foram desenvolvidas principalmente, com a intuito de emular as propriedades das fibras naturais e de potenciar a valorização estética.

Como consequência destas inovações emergiu uma nova indústria têxtil – não convencional – normalmente categorizada de acordo com os métodos de produção utilizados e/ou a finalidade dos produtos fabricados. Embora de cariz não universal é comum aceitar a seguinte subdivisão:

Vulgarmente designados por têxteis técnicos estes produtos são fruto de grandes desenvolvimentos científicos e tecnológicos em muitas áreas do saber, particularmente: na indústria química, na engenharia das matérias, na microoelectrónica, nas ciências de computação, na biotecnologia e na nanotecnologia.

Neste contexto, e retomando o preâmbulo, inicial é legítimo pensar que estas novas fibras – as fibras do e com futuro – proporcionam a possibilidade de criação de artigos têxteis diferenciadores com alto conteúdo tecnológico e de elevado valor acrescentado. A sua endogeneização personalizada pelas empresas da ITV Nacional pode constituir uma factor de competitividade acrescida e contribuir decisivamente para a sobrevivência da empresa.